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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Capítulo 14 de 18

Terapia

Apesar de estarmos bem, curtindo a gestação e tendo acompanhamento espiritual e médico, era importante que procurássemos ajuda psicológica. Tanto para saber lidar com as situações do dia-a-dia, como para nos preparar para o nascimento do Miguel. Por mais que soubéssemos o que poderia acontecer, era importante trabalhar a questão do impacto desse momento nas nossas vidas. Por isso, por indicação de uma psicóloga amiga, da casa espírita Caminheiros do Amor, a Dalcler, procuramos o Instituto Evoluir, um espaço que propõe uma abordagem integral em torno do ser humano.


Inicialmente marquei uma triagem, sozinha. Mas o Daniel também estava interessado em iniciar qualquer que fosse o acompanhamento. No dia agendado, fomos eu e Miguel para a consulta. Quem nos atendeu foi Eunice, uma das psicólogas da equipe. Simpática e atenciosa, ela me levou pra conhecer todos os espaços e contou um pouco sobre o trabalho do Instituto. Era um lugar bonito e confortável. Trazia uma energia boa, de aconchego. Logo me senti em casa.


Na sala de consulta individual, sentamos uma de frente pra outra e depois de eu ter dito que nunca havia feito terapia, contei o que se passava. Eunice se mostrou bastante sensibilizada, e diante do meu caso, bastante complexo, não queria indicar logo de cara de que forma se daria o tratamento. Lá, eles trabalham com consultas individuais e em grupo. Disse que ia conversar com o restante da equipe para refletir sobre a melhor forma de conduzir o acompanhamento e que entraria em contato comigo.

Alguns dias depois, ela me ligou e pediu para que eu fosse na sexta-feira de manhã participar do grupo, e que eu falasse com a Del Mar. A notícia de participar do grupo me deixou um tanto receosa, afinal, eu nunca tinha feito terapia, e logo de cara começar em um grupo? Não saberia como reagir ao falar das minhas questões e ouvir os problemas alheios. Como seria a recepção do grupo? Será que eu não ficaria tímida e envergonhada na frente de outras pessoas? Enfim, até o dia marcado, muitas questões passaram pela minha cabeça, mas resolvi comparecer mesmo assim.

Na sexta-feira de manhã, cheguei, me apresentei na recepção e pedi pra falar com a tal da Del Mar. A recepcionista pediu que eu aguardasse na sala de espera, que logo ela me chamaria. Estava com frio na barriga. Ao observar o movimento, percebi que a moça com quem eu deveria falar tinha passado pela recepção e voltado para o interior do Instituto umas duas ou três vezes. Tinham se passado pouco mais de 10 minutos, mas aquele vai e vem e a ansiedade foram me consumindo de tal forma, que tive muita vontade de chorar ali mesmo na frente de todo mundo, mas me controlei até que ela me chamasse.

Quando ouvi meu nome, levantei correndo e tremendo. Entramos na primeira sala do corredor, que estava à meia luz e tinha um cheiro gostoso de incenso. Del Mar tirou a bota e colocou uma meia em formato de sapatilha e explicou que para entrar na sala de atendimento ao grupo era preciso tirar o sapato.

Simpática, disse que a Eunice já havia comentado sobre o meu caso, mas queria ouvir um pouco mais de mim. Antes que eu começasse a falar, todo aquele choro preso na sala de espera veio à tona e eu não me contive. Entre uma lágrima e outra, consegui falar um pouco. Ela ouviu atenciosamente, me ofereceu lenços de papel, disse que eu ia gostar do grupo e me convidou pra subir.

Na sala de atendimento coletivo já estavam várias pessoas. Era uma sala confortável com carpete e almofadas no chão. Homens e mulheres, jovens e velhos. Todos foram bastante receptivos antes mesmo que soubessem quem eu era e o que estava fazendo ali.

Del Mar deu bom dia a todos e me apresentou a Tereza, a outra psicóloga que auxilia na condução dos trabalhos. Ambas propuseram uma atividade inicial de relaxamento, fizeram a “chamada”, comentaram sobre amenidades para só então começar o papo sério. Antes que a pessoa indicada naquele dia começasse a sua colocação, Del Mar pediu que eu me apresentasse ao grupo e contasse um pouco do meu caso.

Arregalei os olhos, tomei coragem e comecei a falar. Não consegui terminar a frase. Abaixei a cabeça, levei as mãos aos olhos e desabei a chorar. A sala ficou em total silêncio por alguns segundos e foi quebrado apenas por uma moça que estava sentada do outro lado da sala, mas na minha frente. Quando ela começou a falar, levantei a cabeça, fiquei quieta, apenas enxugando as lágrimas que escorriam. Ela estava grávida e vestia uma túnica amarela linda.

- Kelly, meu nome é Rosana. É um prazer conhecer você. Quero te contar que eu também já passei por isso. Há alguns anos nasceu a minha filha Amanda, com um problema parecido com o do seu bebê. Ela viveu dois dias e foram os dois dias mais felizes da minha vida. Agora, estou grávida do Leonardo, e está tudo bem com ele.

Estava atônita. Era uma surpresa conhecer alguém que sabia o que eu estava sentindo, porque já tinha sentido antes. As suas palavras foram como bálsamo tanto pela força que transmitia como pela esperança de ter outros filhos. Antes que eu respondesse algo, ela continuava:

- Quando cheguei aqui, estava mais desesperada que você. E dizia que nunca mais queria ter filhos. Mas foi com a ajuda do grupo e em especial de uma amiga muito querida que eu consegui superar tudo isso. Ela se chama Adriana, e teve a Rafaela, que viveu 25 dias. Vou te dizer a mesma coisa que ela me disse quando cheguei aqui... “Imagina uma rua bem movimentada. Nessa rua tem um buraco bem grande e o Miguel caiu nele por qualquer motivo. De lá, ele fica gritando por socorro, mas ninguém o ouve. Todo mundo está bastante atarefado e nem sequer olha na direção do buraco. Até que você chega perto e é a única a estender a mão para ele”. Pensa nisso.

Com aquelas palavras, eu fui me acalmando e consegui dar mais alguns detalhes sobre o nosso caso. Do outro lado da sala, outra moça interveio:

- Kelly, saiba que o Miguel te agradece muito pela oportunidade.

Todos estavam bastante emocionados, e olhando nos olhos de cada um pude sentir o carinho e as boas vindas que emanavam.

A sessão continuou normalmente, com colocações de mais três pessoas, e embora eu tivesse horário para ir trabalhar, acabei ficando até o final. Entre uma colocação e outra, a Rosana veio sentar do meu lado e ficamos cochichando um pouco. No final, foi irresistível trocarmos nossas experiências. Ficamos conversando mais de uma hora além do término da terapia. Sentia-me aliviada. E achei ótimo ter conhecido aquele grupo.

Na semana seguinte, outra “coincidência”. A Adriana, a moça cuja Rosana tinha comentado, apareceu para visitar o grupo depois de muito tempo. E não foi sozinha. Levou o filho Juan Carlo, de dois anos, irmão mais novo da Rafaela. Foi uma alegria geral. Não só eu, mas várias pessoas do grupo também não o conheciam. Ficamos em um cantinho da sala cochichando, junto com a Rosana, que também estava lá. Pra mim, era o exemplo de mais uma história bem sucedida. Ambas tiveram suas filhas na mesma condição do Miguel e hoje não só estavam bem de saúde, como tiveram outros filhos. (No caso da Rosana, por chegar). Ter contato pessoalmente com essas mulheres foi uma injeção de ânimo na minha caminhada.

A cada semana, me sentia mais confiante e acolhida pelo grupo. Foram momentos de muito aprendizado.

Kelly Cecilia Teixeira

5 comentários:

  1. Minha filha querida....queria poder estar 24 hs ao seu lado nessa fase...mas tenha certeza que eu estava não presente mas em pensamento orando por vcs as 24hs do dia....

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  2. Kelly...não consigo ler um capitulo sem escorrer algumas lagrimas....estou aqui....acompanhando tudo...,..,,bjus

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    1. Oi, Dri! Que linda... obrigada pela leitura! Eu também, toda vez que leio de novo me emociono... não tem jeito...rs. Um beijo!

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  3. Olha eu aqui de novo...Instituto Evoluir. Já tive o imenso prazer de ter estado com a Del Mar, que é de uma sabedoria imensa e pertencer ao grupo, por 2 vezes. Podemos tentar descrever, desenhar, falar, que só quem esteve lá as sextas feiras é que sentiu e sente a energia e a emoção em cd respiração e momento vivido ali.

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