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domingo, 12 de fevereiro de 2012

Capítulo 15 de 18



Eu acho que eu nunca havia me aproximado tanto da espiritualidade quanto nos meses que se sucederam até o nascimento do Miguel. Talvez esse tenha sido um dos maiores aprendizados. A sensação de que eu estava mais perto de Deus, segurando na mão de Jesus era muito forte. Muito forte.


Da mesma forma, todas as pessoas que estavam a minha volta, exprimiam sua fé inabalável e me davam muita força. Muitas diziam o que eu já sentia: “Deus não faz cair uma folha no chão se não for da Sua vontade”. Eu tinha certeza disso e me consolava toda vez que me lembrava dessa frase.

Recebemos muitas mensagens de apoio, de orações, de boas vibrações. Parecia que era formada em torno de nós uma corrente do bem, só com boas energias, independente de religião. De uma amiga católica recebi um frasquinho com água benta, pra beber e passar na barriga. Obedeci. De outra, evangélica, recebi um vidrinho de óleo ungido, que também era pra passar na barriga e consagrar “Em nome de Jesus”. Passei o óleo todos os dias até acabar. Da minha mãe, que tem formação católica, mas à época freqüentava outra corrente da igreja evangélica, recebi duas toalhinhas com dizeres cristãos. Era pra colocar embaixo do travesseiro e junto das roupinhas do bebê. Coloquei. Nossos nomes eram escritos em listas de missas católicas, cultos evangélicos e reuniões espíritas. Não tinha como não nos sentirmos protegidos.

Embora aceitasse todas as boas vibrações, só conseguíamos realizar com regularidade o tratamento espiritual na casa espírita Caminheiros do Amor, dirigida pela Gilvete. Toda quinta-feira estávamos lá pra ouvir a palestra e tomar o passe. Muitas vezes me emocionei com as lições ensinadas. Parecia que todas faziam sentido pra mim e pra nossa história.

Em uma determinada semana, ao sair da sala de passe, a Gilvete me segurou pelo braço e sussurrou no meu ouvido:

- Venha mais cedo na semana que vem. Tenho uma boa notícia para você.

Arregalei os olhos, dei um sorriso e me despedi discretamente para que ela continuasse o trabalho. Peguei nas mãos do Daniel e ao contar pra ele o que ela havia me dito, ficamos ambos morrendo de curiosidade. Mas teríamos que aguardar até a outra quinta-feira pra saber o que se passava.

Antes disso, no domingo, ao ligar pra minha mãe tive uma bela surpresa. Por telefone mesmo ela me contou que uma prima do meu pai tinha uma proposta:

- Desde que soube do seu caso, a Sandra vai especialmente às terças-feiras orar por você, pelo Daniel e pelo Miguel, junto com o pastor da igreja que ela freqüenta.

E eu respondi:

- Puxa, que bom, agradeça a ela por mim!

- Ah, sim. Pode deixar. Mas ela gostaria de ir orar na sua casa! Eu comentei com ela que você é de outra religião, mas imaginava que não se oporia.

- Claro que não! Toda prece é bem vinda.

- Foi o que eu imaginei. Então, eles fizeram essa proposta porque nessa semana, o pastor chamou a Sandra de lado e disse que tinha uma boa notícia.

Quando minha mãe disse aquela frase, lembrei-me das palavras da Gilvete e sem que ela terminasse meus olhos encheram-se de lágrimas.

- Sim, mãe. Qual é a boa notícia?

- O pastor disse que tem sentido algo muito bom, possivelmente um milagre!

As lágrimas que ainda estavam nos olhos, escorreram pelo rosto, minha voz embargou e meu braço tremia. Não sabia nem o que dizer. Somente respondi à proposta:

- Que bom, mãe. Pode marcar a reunião aqui em casa.

Antes do dia marcado, nós tínhamos nossa reunião semanal no Caminheiros do Amor. Conforme combinado, cheguei antes da palestra para conversar com a Gilvete. Curiosa, fui logo perguntando qual era a boa notícia. E ela explicou:

- Todos nós temos nossos mentores e amigos que atuam no plano espiritual em nosso favor, basta estarmos numa boa sintonia. E vocês estão. Vocês demonstram resignação e bondade para com o Miguel e com a situação, e por isso permitem que o plano espiritual os ajude. Na semana passada, nós sentimos uma luz muito intensa e uma mensagem de que essa ajuda pode até interferir no plano físico.

O plano físico significava a matéria, significava meu corpo e o corpo do bebê. Não contive a emoção e contei o que o pastor, que não conhece a Gilvete e é de outra religião, disse à prima do meu pai. E ela, como sempre muito amorosa, completou:

- O plano espiritual age independente de religião. Por isso, o que nós sentimos, assim como o pastor, é tão verdadeiro.

Embora soubéssemos que era muito difícil ter um erro no diagnóstico de anencefalia, naquele momento, uma pontinha de esperança começava a surgir. E se o quadro fosse revertido?

No dia marcado para a oração, recebemos o pastor, sua esposa, a prima do meu pai e meus pais na minha casa. Estava sem graça, não sabia o que dizer e por isso fiquei em silêncio. Mais ouvia do que falava. Sem muitas delongas, o pastor abriu a bíblia e leu algumas passagens da vida de Jesus. Entre uma frase e outra dizia “Amém?” em tom de pergunta, como se quisesse saber se aquilo fazia sentido para nós. A vida do Cristo é linda, e não há como não tirar importantes ensinamentos dela. Mas quando ele começou a aplicar suas lições ao nosso caso, à nossa história, foi impossível não se emocionar. Eu, que tentava prestar atenção às suas palavras, não me contive e comecei a chorar. Naquele momento, ele acelerou a fala, aumentou o tom de voz, levantou-se do sofá e veio na minha direção. Com uma mão ele segurava a bíblia. A outra ele colocou sobre a minha cabeça e falava cada vez mais intensamente. Pedia o milagre. De repente, não falava mais português. Segundo os evangélicos, era a língua dos anjos. Ou ainda, a língua que Jesus falava. Nesse momento de fervor, todos começaram a orar em voz alta, de olhos fechados. Cada um com as suas palavras, mas todos ao mesmo tempo, o que aumentava a catarse daquele ritual. Eu só conseguia chorar. No meio daquele barulho, o pastor falava com a mão sobre a minha cabeça e a sua esposa passava óleo ungido na minha barriga e nos meus pés, que àquela altura da gestação já estavam bem inchados. Aos poucos, o ritmo das preces foi diminuindo, até cessar. Eu já estava mais calma e podia respirar melhor. Ao nos despedirmos, só consegui agradecer.

Nas semanas que se passaram, eu continuava orando para o meu bebê, passava óleo ungido na barriga, fazia o tratamento espiritual no centro. Tinha esperança pelo milagre, mas se ele não viesse, amaria o meu filho da mesma forma.

Kelly Cecilia Teixeira

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