Outras opiniões
No dia seguinte fomos até outro laboratório repetir o exame. Ao entrar na sala, a assistente me ajudou a deitar na maca e toda sorridente perguntava:
- É seu primeiro filho?
E eu desconcertada, olhava discretamente para o Daniel e respondia.
- É.
- Que bacana. Está contente?
- Sim.
- Já sabe o sexo?
- Não.
- Tem preferência por menino ou menina?
Naquele momento, não pude segurar o choro e respondi aos prantos:
- Eu preferia que ele fosse saudável...
Sem entender, a assistente ficou assustada e tentou contornar a situação. Depois que eu expliquei o possível diagnóstico, ela pediu milhões de desculpas. Mas eu a entendia, ela não tinha culpa nenhuma, não tinha como saber.
Quando o médico entrou na sala, meu coração acelerou e fiquei ansiosa em saber a opinião dele. Torcia para que fosse diferente. Não foi.
Ele explicou exatamente como o Dr. Leonardo, mas foi além. Disse que em casos de malformação, justamente devido ao acúmulo de líquido amniótico, a bolsa poderia romper-se abruptamente, ocasionando um descolamento de placenta e a possível perda do útero. Quando ele deu esse parecer, o que parecia trágico ficou ainda mais assustador. Perder o útero? Mas e o desejo de tentar ter outros filhos???
Minha cabeça rodava.
E ele continuava. Seria bobagem manter uma gestação dessa forma, pois caso o bebê sobrevivesse ao nascimento, ele teria uma vida vegetativa. E ainda questionava: “Para quê?”.
Perguntei se era comum esse tipo de caso. Ele respondeu que não e comparando, disse ainda que realiza uma média de 300 ultra-sonografias por mês, e que há 2 anos não via um caso como o meu.
Assustada, ainda tive coragem de perguntar:
- Se optarmos pela interrupção, como ela é feita?
- Existem duas maneiras. A primeira é aplicar um remédio em você, forçando o seu corpo a expulsar o feto, e aguardando-o morrer fora do ventre. A outra é aplicar um remédio diretamente no coração dele, fazendo-o parar de bater. Dessa forma, pode ser que seu corpo entenda que precisa expulsá-lo naturalmente. Dependendo da situação, ainda é necessário fazer uma curetagem.
Enquanto ele explicava as técnicas de abortamento era como se um punhal fosse sendo enterrado no meu peito a cada palavra dita. Era muito cruel.
Ainda assim, ele fez questão de repetir que essa era uma decisão única e exclusivamente nossa.
Antes de terminar o exame, não contive minha curiosidade:
- É possível saber o sexo do bebê?
- Ainda é muito cedo para saber, posso dar alguma informação errada, mas tenho a impressão de ser um menino.
No mesmo dia, à noite, fomos até a casa espírita onde o Daniel é evangelizador. Às quintas-feiras é feito um trabalho de tratamento espiritual, com a palestra para a família e o passe. Enquanto aguardávamos a entrevista, a diretora da casa, Gilvete, chegava e do portão já nos avistou. Vendo nossa expressão de sofrimento, foi logo perguntando o que se passava. Contamos aos prantos e ela ouviu atenciosamente. Ao término da nossa história, ela nos disse calma e carinhosamente:
- Agradeçam ao Pai. Vocês são espíritos de luz e foram escolhidos para dar a oportunidade a esse espírito irmão, que precisa de ajuda. Não temam, pois o Senhor escolhe àqueles que são mais qualificados para as suas missões.
Dizendo aquelas palavras, as primeiras de redenção, as que vinham acalantar ao invés de julgar, as que traziam amor e não desespero, a querida Gilvete conseguiu acalmar meu coração. E pela primeira vez naqueles dias, eu consegui respirar profundamente.
Passamos pela entrevista, assistimos à palestra e tomamos o passe.
Na sexta, conforme combinado, passamos em consulta com o Dr. José Domingos, em um consultório do outro lado da cidade. Chegando lá, vendo que fisicamente eu estava bem, ele comentou que a orientação de procurar o hospital, era porque ele achava que eu estava sangrando. Sendo assim, ele ficava mais despreocupado.
Mostramos os exames e ele confirmou o diagnóstico. Ao saber dos comentários dos outros médicos, disse que achava um tanto exagerados, e que as chances de eu perder o útero, eram as mesmas de eu sair de casa e ser atropelada. Ou seja, existe? Sim. Mas são mínimas. E ainda reforçou que em 19 anos de profissão, mesmo acompanhando gestações de alto risco, ele e a equipe nunca perderam um útero.
Reforçou ainda que não é permitido realizar aborto em casos de anencefalia. E que se optássemos por essa decisão, teríamos muita dor de cabeça em enfrentar a justiça.
Finalizou aquela consulta de urgência com um encaminhamento a um médico especialista em medicina fetal, bastante reconhecido na área. E confirmou nossa próxima consulta no seu consultório habitual, que já estava agendada desde a última vez que nos encontramos.
No dia marcado, fomos eu, o Daniel e minha mãe até o especialista em medicina fetal. Uma clínica bem arrumada, elegante. Na sala de espera encontravam-se diversas revistas e livros. Folheando um desses livros, vi uma reportagem que mostrava uma operação intra-uterina bem sucedida realizada pelo médico o qual aguardávamos a consulta. Naquele momento senti uma pontinha de esperança.
Na sala dele, ansiosos, esperávamos por respostas positivas. Ele olhou os exames e começou a explicar didaticamente o que acontecia. Não falou nada de diferente dos outros médicos, a única diferença foi que ele desenhou em um papel toda a estrutura do sistema nervoso de um bebê, e o que exatamente estava faltando no nosso bebê. Fez uma longa entrevista comigo e com o Daniel, perguntando sobre tipo sanguíneo, possíveis casos na família, grau de parentesco, doenças pregressas e religião. Não trouxe nenhuma novidade. Informou apenas que dadas as informações, não parecia um caso de genética e a causa mais provável era mesmo a deficiência de ácido fólico. Também igual aos outros médicos, disse que a decisão em manter ou interromper a gestação era nossa:
- Os pais é quem devem decidir. Prioritariamente a mãe, pois é ela quem vai carregar o bebê os nove meses, é ela quem vai sentir o corpo mudando e os hormônios em ebulição.
E continuou:
- Porém, acho bobagem manter a gestação.
Nessa hora, minha mãe perguntou se havia algum risco para mim caso eu decidisse continuar.
- Ela corre riscos como qualquer gestante, mas devido à malformação do bebê, ela pode ter complicações na hora do parto.
Meus olhos encheram-se de lágrimas.
- Vou deixar com vocês o modelo de solicitação à justiça, caso vocês optem pela interrupção. Além disso, já vou assinar o laudo alegando a incompatibilidade com a vida.
Assim que terminou de falar, abriu dois arquivos no computador, que já estavam prontos, incluiu apenas os nossos dados e imprimiu. Entregou em um envelope da clínica e orientou que não tínhamos muito tempo, era necessário decidir rápido, porque além do estágio avançado da gestação, a justiça era lenta.
Saí do consultório arrasada. Aquele papel na minha mão ardia como fogo. Não conseguia enxergar nenhuma saída que pudesse acalmar meu coração.
Kelly Cecilia Teixeira
Oi Kellly!! Venho acompanhando seu blog e me emocionando muito a cada nova passagem! Confesso que a medida que descreve suas emoções lembro das minhas também,, principalmente nesses últimos capítulos de sua história! E então me dou conta como é bom termos o amparo espiritual nesse momento e a confiança em Deus ,que nos guia e nos envolve!! beijos!!
ResponderExcluirFI..eu ESTOU ACOMPANHANDO SEU BLOG... muito emocionada e tbm muito,mas muito orgulhosa de vc...como li anteriormente,a minha opinião tbm é a mesma...O Miguel está felicíssimo em ter pais tão iluminados como vc e o Daniel...tinha que ser assim,ele está se recuperando muito bem,e muito mais rápido do que vc imagina,ele voltará pra vcs,porque foi ~e continua sendo tão amado por vcs e tbm por nós que DEUS o enviará para a mesma família,e lhe trará tantas alegrias que vc mesma irá ficar perplexa....Tenha calma, e tente ficar menos ansiosa(eu sei e entendo o quanto é difícil)mas o que é de vcs DEUS não toma,ele modela e devolve....Essa benção está muito próxima...CONFIE EM DEUS SEMPRE...bjs te amo muito minha filha,e cada vez mais me encho de orgulho de vc...
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